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Maria Rita

24 novembro 2004, 21H30

Maria Rita tinha 16 anos e trabalhava numa revista para adolescentes, em São Paulo. Na época, encontrou num livro uma personagem em dúvida entre a carreira militar e a poesia. Naquela estória, o que um coadjuvante fez para ajudar foi disparar o seguinte: “A pergunta que você tem que se fazer, na calada da noite, no momento mais solitário da sua vida, é se consegue viver sem escrever.” Maria Rita, filha de dois ícones da música brasileira, Elis Regina e Cesar Camargo Mariano, resolveu encarar um teste parecido. Trocou “escrever” por “cantar”. Quase uma década depois, prestes a lançar o seu primeiro disco pela Warner Music, chega à conclusão de que foi ali que a semente da música começou a crescer dentro dela. “Acho que se me impedissem de cantar, eu pirava”, confessa Maria Rita, lembrando em seguida que na escola sabiam como estava o seu humor dependendo da música que ela cantava. “Se eu não estivesse cantando, o negócio estava barra pesada”, recorda.

Cantar mais seriamente foi algo que ela só começou a fazer mesmo aos 24 anos. Agora, com 26, não acha que foi tarde. “Você se achar no mundo é uma tarefa muito difícil”, diz a jovem que se formou em comunicação social e estudos latino-americanos nos EUA, onde morou com o pai. O jornalismo entrou na sua vida quando uma professora elogiou uma redacção que a Maria Rita tinha feito. Com a música foi diferente. De tanto dizerem que ela precisava cantar, uma certa resistência foi criada. “Encaro a vida como um grande processo feito de vários pequenos processos no caminho”, ensina. “Sempre quis cantar. Mas a questão não era querer. Era porquê. Não gosto de fazer nada sem ter um porquê. Fica mais fácil quando você tem um objectivo, uma meta. O motivo passou a existir quando percebi que ficaria louca se não cantasse”, reafirma.

Diziam a ela: “Você tem que cantar!” E a jovem: “Porquê?” Maria Rita lembra que, numa festa, cantou e em certas pessoas isso até provocou choro. “Puts, que povo mala... Eu não sou a minha mãe, mas que saco! Cheguei a ter uma reacção drástica com uma pessoa que chorou. Disse assim: ‘Escuta, ela não volta mais.’ Virei as costas e saí”, lembra, certa de que agora sabe lidar melhor com situações deste tipo. “Se eu me lançasse aos 16 anos, teria pirado; não estaria aqui agora, não”, emenda.

A aprendizagem basicamente se deu toda assim, de maneira instintiva e informal. Uma conversa com o pai, quando era mais jovem, ilustra bem isso. Maria Rita pediu que Camargo Mariano a ensinasse a tocar piano. Diante de uma negativa, encolheu-se: “Ok, o senhor não tem tempo, não é?” O pai, que com certeza é uma das grandes referências musicais dela, discordou; disse que tempo, se fosse o caso, ele arranjava. O problema é que ele aprendeu sozinho... “O que ele toca ele não aprendeu com ninguém, então ele não tem o que me passar”, entende agora Maria Rita, que seguiu um percurso parecido. Soltava a voz e pronto. Passou a fazer aulas de canto, mais tarde, para “saber usar o instrumento”. Ela até gostaria de ter uma bagagem mais formal, mas por outro lado mostra-se satisfeita com os caminhos que escolheu guiada pelo instinto e pelo coração.

Esse instinto fez com que ela aproveitasse o universo musical em que se encontrava mergulhada para ir além do pop óbvio que cantarolava na adolescência. Ouviu jazz, música instrumental, rap (este, principalmente nos EUA)... Por falar em rap, quase não resistiu à tentação de colocar um DJ fazendo scratch no seu disco de estreia. Maria Rita também teve outras experiências anteriores. Projectos alheios: cantou no CD Meia-Noite, Meio-Dia, do compositor Chico Pinheiro, e no Pietá, de Milton Nascimento, ambos lançados este ano.

Quem sabe um dia... Maria Rita deixa a possibilidade no ar. Parece não ter pressa.

Pressa, aliás, é uma coisa que ela tenta evitar desde quando tinha 22 anos. Estava prestes a formar-se, nos E.U., e passou por um susto. Fazia duas faculdades e tinha três empregos. Lembra ela: “Caí num hospital... Coração acelerado, não conseguia respirar. Achei que fosse morrer. Eu devia ter guardado aquela receita... A prescrição era: oito horas de sono por noite. O médico queria me dar calmante, remédio para dormir. Mas eu não quis. Imagina, me viciar nessas coisas aos 22 anos!” Maria Rita sabe que o mundo da música, muitas vezes, é um mundo de correria. Sabe que vai correr riscos. Mas tem certeza de uma coisa: vai conseguir manter-se bem. Quem a ouve falar sente tanta determinação na sua voz que não tem outra opção: acredita. 

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