Carlos Medeiros faz fotografia conferindo a cada uma e a toda a sequência das imagens um sentido narrativo sem desfecho, utilizando sombras dramáticas e alto contraste. Não só se apodera do limitado espaço que meticulosamente compôs para uma mulher atormentada, como o sujeita a várias focalizações e jogos de captação daquele sentido, que se pretende linearmente expresso, mas que permanece radicalmente oculto. O clima destas fotografias é o de quem se confina a um quarto, a parte de um quarto que nada logra e, no entanto, se mantém permeável a uma qualquer realidade exterior: o silêncio do telefone, a velada janela, a mala de uma possível viagem, a atitude vigilante ou expectante da personagem cuja natureza contingente se deixa transcender por uma luz que a fere e a redime.
Nenhuma imagem nos é dada na sua totalidade, não obstante residir em todas elas o envio a memórias turbulentas e a alguma coisa que se aproxima, ainda em guarda: a morte e a vida ou, de ambas, a sedução que não se acomoda ao tempo dos relógios e nos surge carregada de ameaças, na “aridez de sucessivos desertos …”, onde nem cabe o apelo de Camilo Pessanha: “Fica sequer, sombra das minhas mãos,/Flexão casual de meus dedos incertos,/ - Estranha sombra em movimentos vãos”.
Situadas num tempo de que os adereços dão conta, sugerindo o film noir de que bem poderiam representar algumas cenas, estas imagens remetem para a intemporalidade do sofrimento humano que a câmara por vezes feroz, por vezes doce vai captando num complexo exercício de cambiantes que vão da vasta treva à luminosidade cirúrgica.
Talvez seja timbre da arte fotográfica de Carlos Medeiros a representação cuidada da ambiguidade ou da fronteira entre opostos: um corpo recuado em aconchegos, amigo de si próprio, e inimigo de si próprio na derrota e extrema desolação. Predador e presa.
A branco e negro é, afinal, o que somos e provisoriamente temos: Exílio e casa. Pelo meio, algumas manchas de luz.
Maria de Fátima Borges